Uma pesquisa inédita realizada pelo Observatório Nacional da Violência Contra Educadoras/es (ONVE), da Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com o Ministério da Educação (MEC), revela um cenário alarmante: nove em cada dez profissionais da educação básica e superior, das redes pública e privada, já sofreram ou presenciaram casos de perseguição, censura ou intimidação no ambiente escolar.
O levantamento ouviu 3.012 educadores de todas as regiões do país e aponta que a violência contra docentes está profundamente enraizada nas instituições de ensino, atingindo desde professores da educação básica até docentes universitários.
Censura disseminada e violência crescente
De acordo com o coordenador da pesquisa, professor Fernando Penna, da UFF, a investigação concentrou-se em episódios de violência relacionados à limitação da liberdade de ensinar, censura de conteúdos, perseguição política e intimidação direta. Casos de violência física também apareceram, embora não fossem o foco principal do estudo.
“A censura se tornou um fenômeno disseminado em todos os níveis da educação e por todo o território brasileiro”, afirmou Penna. Na educação básica, 61% dos docentes relataram ter sido vítimas diretas da censura; no ensino superior, o índice chega a 55%.
Entre os professores diretamente atingidos, 58% afirmaram ter sofrido intimidações, 41% relataram questionamentos agressivos sobre seus métodos, e 35% enfrentaram proibição explícita de conteúdos. Também foram registrados demissões (6%), suspensões (2%), remoções de cargo (11%), além de agressões verbais (25%) e até agressões físicas (10%).
Temas mais atacados: política, gênero, sexualidade e ciência
A pesquisa mostra que temas obrigatórios, previstos em diretrizes educacionais, têm sido alvo frequente de silenciamento. Questões políticas (73%) lideram as denúncias, seguidas por temas ligados a gênero e sexualidade (53%), religião (48%) e negacionismo científico (41%).
Penna destaca episódios emblemáticos, como o caso de um professor impedido de distribuir material oficial do Ministério da Saúde sobre vacinação durante a pandemia. “A diretora disse que não haveria ‘doutrinação de vacina’ na escola”, relatou.
Também houve relatos de proibições para discutir violência sexual — tema crucial para prevenção e denúncias — e de pressões contra docentes de ciências que tratavam da teoria da evolução, substituída por reivindicações de abordagem criacionista.
Polarização política impulsiona ataques
Os dados mostram que a violência cresce em períodos de forte tensão política. O levantamento identificou picos nos anos de 2016, 2018 e 2022 — respectivamente, o ano do impeachment presidencial e das duas últimas eleições gerais.
“É uma polarização assimétrica, marcada sobretudo pelo avanço da extrema direita. Essa tensão está entrando nas escolas”, afirma Penna.
Agressores: a violência vem de dentro da própria comunidade escolar
Um dos achados mais preocupantes é que, segundo os educadores, os principais agentes da violência estão dentro da própria comunidade educativa:
- Profissionais pedagógicos (57%)
- Familiares de estudantes (44%)
- Estudantes (34%)
- Professores (27%)
- Equipes administrativas (26%)
- Funcionários das instituições (24%)
- Representantes de secretarias de educação ou reitorias (21%)
Para Penna, isso indica que discursos de autoridades e figuras públicas encontraram eco dentro das escolas, alimentando um ambiente de vigilância e desconfiança.
Clima escolar deteriorado e “apagão” de professores
Os efeitos vão muito além do impacto individual. Segundo o estudo, 45% dos professores afirmam se sentir constantemente vigiados, o que os leva à autocensura.
O desconforto no local de trabalho foi relatado por 53% dos entrevistados, e 20% mudaram de escola por iniciativa própria para fugir de situações de perseguição. Em muitos casos, docentes abandonaram a carreira — fenômeno conhecido como “apagão de professores”.
“Quando as pessoas têm medo de discutir temas essenciais, quem perde é a sociedade”, destaca Penna.
Regiões mais afetadas
Os casos de violência e censura aparecem em todas as regiões do país, mas são mais recorrentes no Sul e Sudeste, especialmente em estados como Santa Catarina, onde a pesquisa registrou forte incidência.
No total, 93% dos educadores disseram já ter tido contato com situações de censura:
- 59% vivenciaram diretamente
- 19% relataram casos na própria instituição
- 15% ouviram falar
Próximos passos: proteção aos educadores
A pesquisa já gerou um robusto banco de dados e entrará agora em nova fase, com entrevistas aprofundadas. O relatório completo, em elaboração, recomendará a criação de uma política nacional de enfrentamento à violência contra educadores, medida que já está sendo discutida no MEC.
O Observatório também defende que professores sejam reconhecidos como defensores de direitos humanos, garantindo proteção institucional e mecanismos de denúncia.
“Educar com base em direitos humanos não é opcional: é essencial. E, hoje, são justamente esses profissionais que mais sofrem violência”, conclui Penna.


