A aprovação, pela Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), de um projeto que proíbe cotas raciais em universidades públicas do Estado reacendeu um debate que, do ponto de vista jurídico, já está encerrado há mais de uma década. As cotas são constitucionais, foram validadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e têm eficácia amplamente demonstrada por dados oficiais. Ainda assim, em Santa Catarina, a iniciativa avançou — para surpresa de quase ninguém.
Especialistas e análises técnicas já apontaram reiteradas vezes que uma medida desse tipo dificilmente se sustenta na Justiça. O STF decidiu em 2012 que políticas de ação afirmativa com recorte racial não violam o princípio da igualdade; ao contrário, são instrumentos legítimos para reduzi-la. Esse entendimento deu base à Lei de Cotas, criada naquele mesmo ano e reafirmada na revisão feita em 2023 pelo Congresso Nacional.
Mesmo com esse histórico, o Parlamento catarinense optou por seguir na direção oposta. O movimento não é exatamente novo. Desde a criação das cotas, propostas para eliminá-las reaparecem ciclicamente, quase sempre embaladas pelo argumento de que apenas critérios socioeconômicos bastariam. O problema é que a realidade brasileira insiste em mostrar que renda não explica tudo.
Dados do Censo de 2022 indicam que, embora tenha havido avanços, pessoas brancas com ensino superior completo ainda são mais que o dobro de pretos e pardos no país. Entre indígenas, o acesso é ainda mais restrito. Ou seja, desigualdade social existe, mas ela caminha lado a lado com desigualdade racial — ignorar isso não é neutralidade, é escolha política.
Nesse cenário, a decisão de Santa Catarina acaba soando coerente com um histórico já conhecido. O Estado frequentemente aparece no noticiário nacional por episódios de racismo, discursos extremistas e resistência a políticas de inclusão. Não se trata de generalizar sua população, mas de reconhecer que há uma tradição política e cultural local que reage com especial desconforto a qualquer iniciativa que confronte privilégios históricos, sobretudo quando o tema envolve raça.
Assim, o fim das cotas raciais aprovado pela Alesc parece menos fruto de um debate técnico sobre políticas públicas e mais um gesto ideológico. Um gesto que ignora decisões judiciais, evidências empíricas e a própria Constituição, mas se apresenta sob o rótulo confortável da “meritocracia”.
As ações afirmativas sempre foram pensadas como temporárias, é verdade. Mas só deixam de ser necessárias quando cumprem seu papel estrutural. Os números mostram que esse momento ainda está distante. Até lá, iniciativas como a de Santa Catarina tendem a cumprir apenas uma função prática: reafirmar uma visão elitista de sociedade e atrasar, mais uma vez, um processo de inclusão que o país já decidiu, ao menos no papel, que precisa acontecer.


