Assaltante é executado pela vítima e população comemora: violência na Enseada expõe crise de confiança na segurança pública

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Guarujá (SP) — A manhã deste sábado (6) começou com tensão na Praia da Enseada após uma tentativa de assalto terminar em morte na faixa de areia. Segundo relatos iniciais, um homem abordou para roubar pertences sem saber que as vítimas eram militares das Forças Armadas. O suspeito tentou fugir após a reação do casal, mas foi atingido por disparos e morreu ainda na areia, antes da chegada do socorro.

A cena filmada por banhistas e rapidamente viralizada nas redes sociais, desencadeou uma onda massiva de comentários. Uma análise realizada sobre 5.989 comentários feitos no Instagram mostra um cenário que vai além do episódio em si: revela um país onde parte expressiva da população já não acredita no sistema de justiça e passou a celebrar execuções como forma legítima de resposta ao crime.


Apoio esmagador: 78% comemoram a execução

Segundo o relatório de análise de sentimento feito a partir dos comentários públicos, 4.671 mensagens (78%) comemoram abertamente a morte do assaltante.
Apenas 17% criticam, 3% demonstram posição mista e 2% são neutras.

Entre os apoiadores, predominam frases como:

  • “Menos um”
  • “CPF cancelado”
  • “Bem feito”
  • “Parabéns ao militar”

Para muitos usuários, a morte não é vista como tragédia, mas como alívio, vitória ou justiça feita com as próprias mãos.

O tom celebratório se repete de forma intensa. Em 945 mensagens, usuários repetem exatamente a mesma frase: “Menos 1”. Em 567 comentários, aparece o já difundido “CPF cancelado”, expressão que se tornou um eufemismo digital para morte violenta.


Vídeo como combustível emocional

O vídeo em que o assaltante corre pela areia e é baleado pelas costas foi essencial para moldar a reação pública.

As imagens ampliaram a sensação de “justiça instantânea” e estimularam a repetição de bordões que se espalharam como palavra de ordem entre os apoiadores.

Um dos mais citados, com 389 ocorrências, foi “se foi no mar, é afogamento” — referência direta à famosa cena de Tropa de Elite, onde mortes causadas por policiais são registradas como acidentes para evitar investigação.

A frase virou uma espécie de senha irônica, usada para driblar diretrizes das plataformas e, ao mesmo tempo, reforçar cumplicidade entre os que apoiam a execução.


Cultura digital da violência

A análise mostra que as redes sociais funcionam como multiplicadoras de narrativas em que a morte vira meme.
Expressões como:

  • “Leva pra casa então” (456 vezes)
  • “Se jogou” / “Tropeçou”
  • “A onda levou”

Aparecem como formas de ridicularizar quem critica o ato e naturalizar a violência.
O humor ácido, nesse contexto, opera como ferramenta de aproximação entre usuários que compartilham a mesma visão sobre crime e punição.


Críticos da execução apontam excesso e ilegalidade

Na minoria dos comentários, mas com argumentação mais estruturada, estão os que consideram que houve execução e não legítima defesa.
Mais de 400 mensagens negativas ressaltam que:

  • o suspeito estava fugindo;
  • foi atingido pelas costas;
  • não representava mais risco;
  • houve excesso e despreparo do militar;
  • disparos em uma praia cheia colocaram inocentes em risco.

A crítica jurídica aparece com força: “Não é legítima defesa, é execução”, repetem dezenas de usuários.

Para esse grupo, o caso expõe não apenas violência, mas fragilidade institucional: se a Justiça funcionasse, afirmam, execuções não seriam comemoradas.

O advogado e especialista em segurança pública Sérgio Zagarino reforça que a execução extrapola completamente os limites legais previstos no Brasil:

“Essa ação, em que pese parecer algo positivo para a sociedade de maneira geral, dando uma espécie de justiça imediata, na verdade ultrapassa a linha existente entre o certo e o errado, entre o lícito e o ilícito, levando em consideração que não existe pena de morte no Brasil, fazendo com que ações como essa sejam consideradas atos ilícitos praticados pela autoridade policial. Em outras palavras, o Estado de Direito não prevê justiça com as próprias mãos, sendo o único responsável pelas punições no Brasil o Estado, devendo ser seguido o trâmite processual evitando injustiças.”


Polarização política entra no debate

Surpreendentemente, cerca de 20% dos comentários positivos não falam sobre o assalto em si, mas transformam a morte do suspeito em símbolo político.

São centenas de mensagens desse tipo:

  • “Menos um eleitor do Lula”
  • “Um a menos para o PT”
  • “Faz o L”
  • “Esquerdista defende bandido”

Ou seja, a execução vira arma simbólica de disputa ideológica, reforçando a relação entre violência urbana e polarização política.


O que explica a comemoração da morte?

A análise mostra que o apoio massivo não se deve apenas ao episódio, mas a uma combinação de fatores:

1. Desespero com criminalidade

Muitos comentários expressam que “o povo não aguenta mais”. A morte do assaltante é vista como resposta imediata, onde o Estado falha.

2. Desconfiança nas instituições

“Se prende, sai em meia hora”, repetem centenas de usuários.
A percepção de impunidade legitima, para muitos, a violência direta.

3. Identidade política

A polarização transforma qualquer debate sobre segurança em disputa ideológica.

4. Cultura digital do humor violento

Morte vira meme. Meme vira linguagem. Linguagem vira comunidade.
E comunidade reforça aprovação.


Executado enquanto fugia: o ponto que divide opiniões

A análise do vídeo sugere que o assaltante já corria sem arma aparente quando foi baleado. Isso alimentou a crítica jurídica: não havia legítima defesa continuada.

Para os críticos, a execução revela despreparo, excesso e risco a terceiros.

Para os apoiadores, pouco importa se houve excesso: o assaltante “pagou o preço” e isso basta.

Essa divergência mostra que o debate brasileiro sobre segurança pública já não se estrutura em crime e punição, mas em vingança e desconfiança.


Reflexo de um Brasil em crise

O episódio da Praia da Enseada funciona como espelho de um país onde:

  • a população não confia na Justiça;
  • o crime cotidiano provoca sensação permanente de ameaça;
  • a violência policial ou civil é vista como solução prática;
  • o espaço público é dominado por narrativas extremas, sem espaço para nuance;
  • a morte vira símbolo, meme e arma política.

Mais do que um caso isolado, a execução na areia do Guarujá revela um colapso emocional e institucional.
Não se trata apenas de um assaltante morto, mas de uma sociedade que passou a comemorar execuções como forma de autocura diante da insegurança.


Conclusão: entre o medo e o aplauso

O que aconteceu na Praia da Enseada não é apenas um episódio policial: é um termômetro social.

A celebração da morte amplificada em milhares de comentários demonstra que parte significativa dos brasileiros já não espera justiça do Estado.
Espera a justiça da bala.

E quando um homem é executado na areia, enquanto foge, e o país comemora, a pergunta que fica é: o que morre primeiro o assaltante ou a confiança na lei?

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